02 maio, 2012

"E quando tem chacina de adolescentes, como é que você se sente?"


Meu encargo foi observar o céu. Toda minha vida foi passada a descrever para mim mesma suas cores, seus formatos e suas proporções tão imensuráveis. E, por ele, me apaixonei.  Como era de se esperar...

Durante minha caminhada, alguns tropeços. Passei muito tempo olhando para o alto e, às vezes, me esquecia de firmar meus pés no solo.  Certa vez, não me recordo pelo que, fui jogada no chão. Olhando ao redor me assustei, pois nada era como eu imaginei que fosse. Gotículas de chuva me convidaram a olhar para o alto, muito embora não me permitissem manter os olhos totalmente abertos, esqueci então das coisas ao redor. E basicamente assim, foram todos os meus dias durante os 14 anos que tive de vida na Terra.

Eu não queria que a vida fosse apenas aquilo.  Tinha que ter algo a mais! Era tudo tão... Limitado. Não bastava o infinito do céu, menos valiam as viagens que alguém pudesse fazer, os amigos que pudesse ter, ou qualquer coisa terrestre.  Eu tinha os sonhos comuns a alguém da minha idade, mas como alguém incomum, eu estava me preparando para algo maior. Algo que eu não conhecia.

Sobre os sonhos terrestres: Passageiros, fáceis de roubar.

Além do céu, meus olhos sempre refletiam o que estava em meu peito, e os sonhos que ainda moravam no futuro. Eu trouxe comigo alguns sorrisos, olhares, e o amor de quem me deu amor. Não trouxe os sonhos futuros, pois roubaram o meu futuro.

Foi numa manhã, eu estava em aula. Embaixo da mesa da professora, me escondia com mais três amigos de grande valia, e dali mesmo, observava o céu. Observei-o como nunca antes, e vislumbrei de uma beleza nunca antes notada, as cores do céu estavam diferentes naquela manhã. E senti a presença dos meus, que não estavam verdadeiramente ali.

Não vi quando ele entrou, ouvi passos acelerados ao meu redor, passos que não tinham direção. Apesar do medo, em meu rosto havia o sorriso de quem nota as cores bonitas do céu. E então, senti o chumbo pesar em minha cabeça, e me neguei a ver o sangue que escorria por cima do meu uniforme. Olhei para dentro de mim, vi lágrimas cristalinas irem de dentro para fora, entreguei meu último suspiro à terra e parti para o que era ainda desconhecido, para algo maior.

Roubaram-me os sonhos, roubaram-me as realizações. 
Não me roubaram o céu, isto não.

Às vítimas da chacina de Realengo.
Em memória.

Postagens populares